Estratégias para uma boa escrita: desmistificando paradigmas

Neste artigo, convido você a refletir sobre o porquê de determinados textos que lemos serem difíceis de entender. Muitas vezes, são os textos escritos por nós mesmos que apresentam limitações de compreensão por parte de nossos leitores.

Por que alguns textos são difíceis de compreender?

De acordo com Pinker (2014), há inúmeras razões para que isso ocorra, mas o entrave principal é o/a próprio/a escritor/a.  Afinal, essas razões dizem respeito à forma como ele/ela exprime suas ideias e emprega a sintaxe à língua veicular do texto. Vejamos algumas delas:

  • Informa, comunica e/ou comenta fatos.
  • Expressa-se numa linguagem especializada e hermética.
  • Faz escolhas verbais inoportunas.
  • Possui pouco conhecimento da sintaxe.

O papel do/a escritor/a, mais do que informar, comunicar e comentar fatos, é mostrar coisas do mundo e, para tanto, precisa entender que a prosa tem como sua maior virtude mostrar essas coisas com a maior transparência possível.

Isso quer dizer que, quanto mais ele/ela se expressar numa linguagem especializada e hermética, mais difícil será para o leitor leigo (até mesmo o culto) entender o que quer dizer. Por isso, Pinker afirma que o maior entrave para uma boa escrita é o/a próprio/a escritor/a, denominando essa espécie de fenômeno de a “maldição do conhecimento”.

Escolhas verbais inoportunas também fazem parte dessa lista. Elas tornam pesada a leitura de textos quando isso acontece. Mas o que o autor quer dizer exatamente? Quando uma determinada escolha verbal é dita questionável (como, por exemplo, o uso excessivo de termos abstratos e substantivos), o motivo apresentado é a dificuldade de compreensão que os leitores têm em seu contato com textos reais e não a obediência a uma tradição cristalizada (que sabemos, pode e deve ser quebrada, não é mesmo?).

Trago um exemplo de gênero textual muito usado na comunicação empresarial e em uso há várias décadas: o e-mail. Quantas vezes recebemos mensagens (quase que) incompreensíveis na nossa caixa de entrada? Quantas vezes não nos darmos conta de que o nosso texto não está claro e objetivo?

Utilizando a Linguagem Simples

Felizmente, há várias orientações para escrever e-mails que ajudam os nossos leitores a entender nossas mensagens lendo apenas uma vez. Elas têm me ajudado muito e espero que ajude vocês também. Vamos a algumas delas:

  • Seja conciso/a: poupe os detalhes desnecessários.
  • Respeite seu/sua leitor/a: poupe seu tempo e energia.
  • Escreva o assunto de forma concisa: use de 3 a 4 palavras no máximo. Evite preposições e artigos sempre que possível.
  • Certifique-se de que há conexão entre o assunto e a tomada de ação: esclareça-o, respondendo às perguntas o que, quem, quando, como e por que.
  • Evite palavras especializadas, exceto quando o contexto exigir. Use palavras mais simples, não decorativas (sugerir ao invés de propor; mudanças ao invés de modificações).
  • Use verbos visuais tais como colaborar, necessitar, oferecer (sem o uso acompanhado dos verbos ser e estar).
  • Use a voz ativa com muito mais frequência do que a voz passiva: estudos científicos mostram que os leitores processam mais facilmente a construção ativa do que a passiva porque a primeira oferece clareza e objetividade. Coloque “quem” antes de “o que”.

Conhecer bem a sintaxe de uma língua faz com que nossos pensamentos se ajustem às estruturas dessa língua. Escolher quais estruturas utilizar dentre as disponíveis em um determinado sistema linguístico pode tornar o texto mais ou menos “amigável” do ponto de vista do processamento feito por nossos leitores ou ouvintes. Em outras palavras, é apresentar ao leitor formulações mais favoráveis de processamento.

Um exemplo disso é a dicotomia voz ativa e voz passiva, tema amplamente discutido em pesquisas nas áreas da Linguística e da Tradução. De acordo com Pinker (2014), pedir aos escritores, hoje, que evitem a voz passiva não é aconselhável, visto que a pesquisa linguística mostrou que a construção passiva tem inúmeras funções indispensáveis devido ao modo como mobiliza a atenção e a memória do leitor. Um/a escritor/a atento/a e habilidoso/a precisa saber quais são essas funções de forma a evitar substituir uma construção ativa por qualquer construção passiva que encontrar pela frente. Lebacqz (on-line), por outro lado, aconselha a evitarmos a voz passiva sempre que possível, especialmente em e-mails; porém, admite que às vezes, necessitamos da voz passiva em nossos textos. Por isso, é essencial a leitura de diversos gêneros textuais na nossa rotina diária, pois é através dela que aprendemos como aplicar as sutilezas da língua no momento da escrita.

Espero que você tenha gostado do conteúdo desta edição. Convido-o(a) a conhecer o Curso Online de Linguagem Simples da Mais H.

Uma boa semana e até o próximo artigo!

Conteúdo inspirado e parcialmente adaptado de:

  • Lebacqz, Erin. E-book Top 10 ways to write emails you feel good about Acesso em https://www.highvaluewriting.com/.
  • Pinker, Steven Guia de escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância / Steven Pinker; tradução de Rodolfo Ilari. – São Paulo: Contexto, 2016

Heloísa Delgado. Tradutora e educadora de formação e coração, sua trajetória está relacionada ao ensino da língua inglesa e da tradução, tendo atuado nos cursos de extensão, graduação e pós-graduação lato sensu na PUCRS por 30 anos.

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