A escrita acadêmico-científica e a sua sustentável leveza

A escrita acadêmico-científica, não precisa ser tão complicada e “pesada” como estamos acostumados a ver. É possível mostrar autoridade e autonomia no que está sendo dito, de uma forma mais leve e fácil de entender. Neste artigo, vamos ensiná-lo como fazer isso.

Escolhi esse título inspirada no livro/filme “A Insustentável leveza do ser” de Milan Kundera (1984). Embora a analogia pareça superficial – o livro é um belo romance, que trata de temas sociais, políticos e filosóficos -, penso que a minha intenção é válida.

A expressão, título da obra, significa o alcance da plena liberdade de fazer escolhas, mas que pode se revelar um peso insustentável com o passar do tempo. A história se passa na República Checa (antiga Checoslováquia) entre as décadas de 60 e 80. 

E por que optei por usar “sustentável” ao invés de “insustentável”? Bem, está aqui a resposta: é mais fácil escolher o título de um artigo de blog do que de um livro, não é mesmo? Obviedades à parte, é mais simples sustentarmos a leveza dos textos científicos do que a leveza da vida com tantos percalços que ela oferece.

Precisamos descomplicar a escrita acadêmico-científica 

Você deve estar se perguntando: certo, mas como faço isso? Antes ainda, posso? A comunidade científica vai aceitar um texto acadêmico-científico leve, simples e fácil? 

E respondo: por que não? Desde que o texto esteja bem estruturado, organizado e apresentar uma análise de qualidade com base teórica bem fundamentada  e relacionada com as demais seções, claro!  Leia também o artigo em que eu explico o que é um texto acadêmico-científico e dou um checklist para criá-lo, seção a seção.

Vale lembrar que um texto de qualidade precisa, também, ser escrito de forma objetiva, clara e compreensível para o leitor. A pesquisa – mesmo que seja excelente – pode perder sua importância caso a forma como foi descrita esteja confusa.       

E ainda ofereço mais um argumento: muitos pesquisadores dizem que a escrita acadêmico-científica perdeu a qualidade há muito tempo. Isso mesmo. 

Por quê? Porque, hoje, os textos já não são tão bons como antes porque são escritos de forma inadequada. E essa perda de qualidade influencia muito na divulgação da ciência.  

Influencia, pois vivemos a era do compartilhamento veloz de conteúdo de áreas e gêneros diversos, e o científico não fica fora disso, muito pelo contrário.  Isso quer dizer que as pessoas estão em busca de informação que possa ser consumida rapidamente em suma, elas não têm muito tempo para ler sobre um tema que não seja escrito (ou falado) de forma objetiva e clara.

A realidade da escrita científica brasileira

Mas, antes de mencionar as diretrizes de escrita para que o nosso texto seja mais leve e compreensível, trago algumas reflexões de Aldo Fontes-Pereira, doutor em Engenharia Biomédica e defensor da escrita científica descomplicada. 

O professor alerta para o fato de que os impactos da produção científica brasileira na vida dos brasileiros não vêm tendo destaque. Em entrevista à LC Agência de Comunicação, diz o seguinte sobre isso:  “Um número significativo de produções com retratações teve os seus resultados usados como referência para sustentar hipóteses em outros estudos. O que pode gerar um efeito “bola de neve” com a propagação do erro”.

Por esse motivo, decidiu publicar um livro sobre como descomplicar a escrita científica, para ajudar no avanço da sociedade. Bacana, não? No seu livro, Aldo reuniu pesquisas de vários cientistas, cujos resultados foram excelentes, mas não tinham a visibilidade necessária na comunidade científica e no público leigo. 

Qual a  razão disso?

A forma inadequada de escrita, sim, isso mesmo! Tanto o pesquisador quanto a sociedade perdem com isso, concorda? Por isso, o livro do professor Aldo é leitura obrigatória para quem precisa escrever textos dessa natureza. 

De acordo com o cientista, a ciência evolui pela constante busca em entender e explicar diversos fenômenos, fazendo com que muitas explicações científicas -outrora consolidadas – possam ser revistas e alteradas. Ele cita o crítico período da COVID-19, em que as decisões tiveram de ser tomadas rapidamente a partir da melhor evidência que havia. No entanto, a falta de entendimento e descoberta de alguns fatores possibilitou que as medidas tomadas não alcançassem o resultado esperado.

E olha só o que Aldo salienta: 

“Vejo muitos brasileiros buscando dados científicos sobre vacinas, dados epidemiológicos sobre o covid-19, citando nomes de pesquisadores e universidades, e lendo reportagens sobre testes e possíveis novas vacinas. A ciência se aproximou mais da sociedade brasileira. Os brasileiros estão vendo a necessidade de ter uma ciência forte e valorizada”.

Infelizmente, como aponta Aldo, percebemos um número significativo de produções sobre a COVID-19 que apresentaram problemas e foram retratadas. E qual a consequência disso? Tiveram os seus resultados usados como referência para sustentar hipóteses em outros estudos, gerando a divulgação em massa do erro. 

Vale lembrar que os artigos científicos podem criar importantes indicadores de alerta para a tomada de decisões na política e na saúde pública. No entanto, com a presença de erros nos artigos, a saúde do brasileiro pode ficar à mercê de atrasos e erros sobre decisões fundamentais e vitais nesse sentido.  

Como deixar a escrita acadêmico-científica mais leve, simples e fácil

Sabemos que a escrita acadêmico-científica tem uma finalidade clara: comunicar os resultados e as análises de uma pesquisa científica. Essa é a sua essência. E, para tanto, segue alguns padrões de escrita e organização definidos e atende a algumas normas e técnicas.        

Porém, não significa dizer que a escrita só é científica se apresentar uma linguagem difícil de compreender. Pelo contrário, apesar de ser um conteúdo formal, precisa ser acessível e utilizar uma linguagem simples e de fácil compreensão

E isso tem muito a ver com a democratização da ciência, tão desejada pelos próprios pesquisadores assim como Aldo. Afinal de contas, o que adianta produzir ciência se ela só alcança os pares – e diria aqui, experientes – de uma determinada área?

Mas fica a pergunta: como fazer isso? E os termos e jargões utilizados? O que fazemos com eles? Claro, esse processo não é tão simples assim, visto que há temas muito complexos na ciência, não é mesmo?

A escrita científica, sem dúvida, cria padrões na comunicação especializada, para evitar interpretações errôneas sobre as pesquisas compartilhadas, pois como disse acima, existem convenções a serem respeitadas no mundo científico. Mesmo assim, ela precisa ser clara e objetiva. 

Linguagem Simples em textos acadêmicos-científicos: o que evitar 

Frases com mais de 25 palavras.Palavras repetidas e/ou redundantes.
Ordem indireta das frases.Palavras rebuscadas.
Sujeito indefinido (retira o pesquisador do estudo).Adjetivos (não devemos atribuir valor à pesquisa) e advérbios (torna o texto menos objetivo).

8 Recursos para simplificar textos acadêmicos-científicos

  • Frases de até 25 (vinte e cinco) palavras pontuadas corretamente. Há casos, por exemplo, em que você pode – e deve – usar o travessão para enfatizar uma ideia.  
  • Pronome pessoal (deve ficar claro para a pessoa que lê o seu texto que você é o/a pesquisador/a).
  • Verbos no tempo certo (objetivos no infinitivo; resultados no passado).
  • Uso facilitado de termos complexos e específicos da sua área. Cite-os, mas não deixe de explicá-los. Para isso, use a pontuação correta e lembre das normas de escrita (ABNT, APA etc.).
  • Inserção de marcadores, gráficos, planilhas e imagens para facilitar a compreensão do tema.   
  • Retirada de palavras redundantes, ideias e frases com o mesmo sentido. 
  • Retirada de palavras vagas, que nada acrescentam. 
  • Substituição dos verbos “ser e estar” (ou verbos que sejam vagos) por verbos que claramente comuniquem o que você quer dizer.

 Exemplo: 

O grupo está envolvido no projeto de médio prazo, mostrando … (ideia vaga)

O grupo trabalhou no projeto de médio prazo, mostrando… (ideia vaga)

O grupo colaborou no projeto de médio prazo, mostrando…  (ideia de participação ativa e conjunta). 

Bem, essas são algumas das estratégias para que o seu texto científico fique mais fluido, claro e leve para ler. Para quem está começando, pode ser um desafio. Para quem já está no mundo científico, mesmo assim, há muito a aprender. 

Você sabe se comunicar de forma eficiente, utilizando estratégias de comunicação da Linguagem Simples (LS)? Antes de elaborar um texto acadêmico-científico, é essencial saber o básico! Inscreva-se no Curso de Linguagem Simples e aprenda a escrever de forma clara, objetiva e descomplicada.

E para estar sempre atualizado sobre a linguística, leia mais artigos em nosso blog. Conhecimento nunca é demais, não é mesmo? Até mais!

Referências bibliográficas:

  • Fontes-Pereira, Aldo. Escrita científica descomplicada: como produzir artigos de forma criativa, fluida e produtiva. São Paulo: Editora Labrador, 2021.
  • OS BRASILEIROS ESTÃO VENDO A NECESSIDADE DE TER UMA CIÊNCIA FORTE E VALORIZADA. LC Agência de Comunicação, c2022. Disponível em: https://lcagencia.com.br/os-brasileiros-estao-vendo-a-necessidade-de-ter-uma-ciencia-forte-e-valorizada-aldo-fontes-pereira-escrita-cientifica-descomplicada/. Acesso em: 20 de março de 2022.

Heloísa Delgado. Tradutora e educadora de formação e coração, sua trajetória está relacionada ao ensino da língua inglesa e da tradução, tendo atuado nos cursos de extensão, graduação e pós-graduação lato sensu na PUCRS por 30 anos.

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